Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco. O que nada tem de espantoso. Os homens não se dão conta disto, mas todos, em certo momento da vida, sentiram pelo mar um amor tão profundo como o meu. No entanto, não é como passageiro que navego. É como simples marinheiro. Porquê? Porque fazem questão de me pagar pelos tormentos que eu passo a bordo, e também porque a profissão do mar é a mais bela, a mais saudável que conheço. Uma última pergunta. Como me surgiu a ideia, a mim que nunca tinha viajado senão em navios mercantes, de fazer uma campanha de pesca à baleia? Após madura reflexão, creio compreender as razões que me levaram a lançar-me nesta aventura. Em primeiro lugar surge a formidável imagem da baleia, monstro impressionante e misterioso, que sempre povoou a minha imaginação. E, além disso, tinha vontade de ver os oceanos selvagens onde os grandes cetáceos rolam nas ondas as suas massas comparáveis a ilhas vivas.
Queria iniciar-me nos perigos que eles fazem correr àqueles que os desafiam. Quantas vezes, nos meus sonhos, contemplei procissões de baleias, pelo meio das quais deslizava uma espécie de fantasma embuçado, semelhante a uma colina coberta de neve? Enfim, esperava maravilhas das paisagens e dos ventos da Patagônia. Em suma, tudo me impelia a não lutar contra o impulso do meu desejo.
Resumindo, meti algumas camisas no meu velho saco de marinheiro e, sem mais demora, pus-me a caminho do cabo Horn e do oceano Pacífico. Isto é, parti primeiro de Manhattan (Quando Herman Melville escreveu Moby Dick, em 1850-1851, Manhattan não era ainda o bairro dos arranha-céus de Nova Iorque. — N. do T.), onde residia, e dirigi-me para New Bedford, no Massachusetts. Quando cheguei a New Bedford, num sábado à tarde, em pleno mês de Dezembro, tive a desagradável surpresa de saber que o pequeno veleiro que servia a ilha de Nantucket já levantara ferro e que me seria preciso esperar a sua volta até à segunda-feira seguinte. Como empregar o meu tempo durante estes dois dias? Porque eu estava mesmo decidido a alcançar Nantucket, berço dos baleeiros americanos, ponto de partida das mais antigas expedições.
A noite estava não apenas escura, mas muito fria. Parei perto de um marco, com o meu saco ao ombro. Depois, meti a mão ao bolso e tirei algumas moedas.
Meu velho Ismael — disse comigo, olhando para todos os lados —, é indispensável que encontres um sítio para dormir. Mas não sejas muito exigente. E, sobretudo, informa-te do preço antes de escolheres uma estalagem!
Num passo hesitante, pus-me a caminhar pelas ruas e passei sucessivamente por várias estalagens onde me pareceu mais sensato nem sequer parar, de tal modo me pareciam sumptuosas.
Enfim, já perto do porto, para o qual me dirigira instintivamente, vi de súbito num halo de luz uma tabuleta que balançava, rangendo. Representava um jato de vapor de água, e por baixo podia ler-se: A-Baleia-que-Fuma, Peter Coffin, proprietário. Esta estalagem, de fachada deteriorada e decadente, não era nada convidativa. Mas, dado o estado das minhas finanças, não seria exatamente o abrigo que eu procurava? Empurrei a porta. À claridade de uma lanterna suspensa do teto, vários marinheiros, sentados em volta de uma mesa, bebiam em silêncio. Aproximei-me do dono e disse-lhe:
— Eu queria um quarto.
— Impossível — respondeu ele —, está tudo ocupado.
Depois, batendo na testa:
— Um momento! O senhor vai à pesca da baleia, não é? Nestas condições, veria inconveniente em partilhar a cama de um arpoador? Para se habituar desde já aos seus futuros companheiros, não é verdade?
A perspectiva de dormir com um homem que eu não conhecia não me agradava nada. Mas, por uma simples esquisitice, ia ficar condenado a errar toda a noite numa cidade em que punha os pés pela primeira vez?
— Quem é esse arpoador? — perguntei.
— Oh! Um bom tipo...
— Sendo assim — respondi num tom resignado —, aceito.
— Muito bem. E agora, sente-se. Vou servir-lhe uma boa ceia.
Instantes mais tarde introduziu-nos, aos outros clientes e a mim, na sala ao lado. Ali, a atmosfera glacial era ainda mais sombria do que no bar. Aquela sala, com efeito, tinha apenas duas candeias a iluminá-la. Quanto à chaminé... vazia! Vendo a minha surpresa, o estalajadeiro explicou-me:
— A lareira é um luxo que eu não posso permitir-me...
Para me aquecer não achei outra forma senão abotoar o meu blusão e segurar com as duas mãos a chávena de chá a escaldar.
Porém a ceia revelou-se das mais substanciais. Havia carne, batatas e, com grande espanto meu, dumplings! (Prato açucarado, feito de pasta cozida à maneira do plum-pudding, com frutos. — N. do T.)
A meu lado um jovem marinheiro de blusão verde — perdoem-me a expressão — empanturrava-se!
— Ouve lá — disse-lhe o estalajadeiro —, se não começas a ter mais juízo, não te livras de uma indigestão!
— Oh! Não — murmurei —, é aquele o meu arpoador?
— O seu arpoador, como lhe chama não é um branco. — Disse o estalajadeiro com um sorriso que me pareceu diabólico. — E, além disso, nunca come dumplings. Só gosta de bife... e muito mal passado!
— Caramba!... E onde está ele agora?
— Não está na sala de jantar. Mas não tardará a conhecê-lo.
Terminada a ceia, voltamos para o bar. De súbito, ouviu-se à entrada uma barulheira enorme.
— É a equipagem do Grampus! — exclamou o patrão. — Três anos de ausência. Ora viva, rapazes! Vamos ter enfim as últimas notícias das ilhas Fiji!
Arrastando pesadas botas, os marinheiros do Grampus embuçados em peles, como ursos do Labrador, entraram no bar e dirigiram-se sem hesitar para a bocarra da baleia — quero dizer para o balcão —, onde Jonas — quero dizer, o patrão — se pôs a encher-lhes copos uns atrás dos outros. Passados uns minutos, já com o álcool a subir-lhes à cabeça começaram a fazer algazarra, a gesticular e a entoar desastradamente canções do mar.
Reparei no entanto que um deles parecia resolvido a não participar da alegria geral. Tratava-se de um rapagão com mais de um metro e noventa de altura, com o peito semelhante a uma prancha e de ombros soberbos. Uma verdadeira montanha de músculos! A brancura dos dentes contrastava com a pele tostada do rosto. As pupilas escuras pareciam carregadas de indecifráveis recordações.
Quando a algazarra chegou ao cúmulo, ele afastou-se. No entanto, alguns dos companheiros, tendo-o visto no momento em que saía da estalagem, foram-lhe no encalço gritando: Bulkington! Bulkington! Estava longe de calcular que mais tarde aquele nome ressoaria de novo aos meus ouvidos...
Pelas dez horas, o bar esvaziou-se como por encanto. E eu voltei a pensar no meu arpoador. Decididamente não me agradava nada a ideia de passar a noite com um desconhecido...
— Patrão — disse eu, após uma hesitação —, mudei de opinião. Em vez de dormir lá em cima com o arpoador, vou passar a noite aqui, neste banco.
— Como quiser — respondeu ele —, mas previno-o de que não tenho mantas para lhe dar.
— Passo sem elas — disse eu.
Empurrei o banco contra a parede e estendi-me em cima dele. No entanto, quase logo a seguir, apercebi-me do meu erro. As correntes de ar que se infiltravam por debaixo da porta e pelos interstícios da janela gelavam a atmosfera do bar e tornavam a minha situação insustentável. Sentei-me no banco, não sem ter tiritado durante uma boa hora. Por um momento fiquei a olhar os hóspedes que regressavam uns após outros e recolhiam aos seus quartos. O estalajadeiro sempre atrás do balcão, aparava tranquilamente um pedacinho de madeira em forma de palito.
— Patrão — disse eu — É quase meia-noite, a que horas volta esse arpoador... sempre a horas tardias?
— Não — respondeu o estalajadeiro sem levantar os olhos —, de uma maneira geral, volta cedo. Pergunto a mim próprio o que andará a fazer. Afinal, não deve ter conseguido vender a sua cabeça...
— O quê? A cabeça dele? O que está para aí a dizer?
— Sim, a cabeça — repetiu o estalajadeiro na sua voz arrastada. — Eu já lhe tinha dito que não poderia vendê-la em New Bedford. O mercado está demasiado concorrido...
— Concorrido? Começava a subir-me a mostarda ao nariz. — Concorrido com quê? — repeti eu.
— Bom... De cabeças, claro!
— Olhe lá, patrão, parece-me que você é que está a querer dar volta à minha. Se me toma por um grumete, engana-se! Quanto à cabeça dele...
— Não diga mal dela! Isto é um conselho de amigo. Senão, ele ainda lhe parte a cara.
— A menos que eu comece por partir a dele!
— Bem, bem, calma — disse o estalajadeiro. — Eu explico-lhe.
— O rapaz em questão acaba de chegar dos mares do Sul. Trouxe da Nova Zelândia várias cabeças reduzidas. Está a ver, curiosidades. Ora, ele vendeu-as todas menos uma, aquela que tenta despachar hoje. Porque amanhã é domingo. Não está a vê-lo a oferecer uma cabeça reduzida à boa gente que vai para a igreja! Domingo passado, vi-me doido para o impedir de sair com uma espécie de rosário composto de quatro cabeças enfiadas num cordel!
Deixei passar uns minutos. A seguir, depois de ter refletido maduramente:
— Olhe, patrão — disse eu —, esse arpoador deve ser um tipo perigoso!
— Não, não — respondeu o estalajadeiro num tom tranquilizador. — Aliás, no que me diz respeito, não tenho razões de queixa dele. Paga regularmente.
Olhou para o relógio.
— É quase meia-noite. Acho que deve ter parado em qualquer parte. Não voltará a aparecer antes de amanhã de manhã. Olhe, venha daí — ajuntou ele, pegando numa candeia —, vou conduzi-lo ao seu quarto. Pode estar certo de passar uma noite tranquila. O quê, tem medo? Medo? Não. Mas devo confessar: não me sentia muito confiante. No primeiro andar, o estalajadeiro introduziu-me num pequeno quarto frio como gelo.
— Ora aí tem — disse ele, pousando a candeia sobre uma velha arca que devia servir ao mesmo tempo de mesa de toilette e de mesa de cabeceira. — Está em sua casa. Fique à vontade. Boa noite.
Quando me voltei, já ele tinha desaparecido. A cama era enorme, com espaço suficiente para vários arpoadores. Quanto ao resto, não havia neste cubículo escuro nada além de um aparador rústico, quatro paredes nuas, um biombo de cartão no qual se via pintado um arpoador em plena ação; depois, a um canto, um leito de campanha dobrado e um saco de marinheiro.
Em cima da chaminé luzia vagamente um molho de anzóis, e à cabeceira da cama estava encostado um grande arpão. Mas ali, sobre a arca, o que seria aquele objeto esquisito? Aproximei-me e verifiquei que se tratava de uma espécie de esteira enorme com as bordas ornadas de franjas coloridas.
Peguei nele e, como tinha uma fenda semelhante às dos ponchos sul-americanos, enfiei-o pela cabeça e deixei-o cair por cima dos ombros. Estava úmido, como se o meu misterioso arpoador tivesse andado com ele à chuva. Mas, sobretudo, que peso!
Pus-me em frente de um pedaço de espelho pendurado na parede. Assustado com a imagem que ali se refletia apressei-me a desembaraçar-me daquela estranha vestimenta dizendo comigo: "Como pode um cristão digno deste nome passear pelas ruas assim enfarpelado?"
Pensei ainda durante uns instantes naquele arpoador negociante de cabeças reduzidas e na sua estranha peça de vestuário. A seguir, enchendo-me de coragem, despi-me — blusão, colete, calças, botas —, e depois de ter apagado a candeia, enfiei-me na cama, deixando o meu destino entregue à providência.
Passados talvez uns dez minutos, quando estava prestes a adormecer, ouvi um passo pesado no corredor, enquanto por debaixo da porta parecia deslizar uma débil claridade. "Deus me proteja!" — pensei. — "É ele!" Segurando na mão direita uma candeia e na esquerda a cabeça reduzida de que me falara o estalajadeiro, o recém-chegado entrou no quarto. Depois, sem olhar para a cama, aproximou-se do saco de marinheiro colocado a um canto e começou a desatar os nós. Por fim, bruscamente, voltou-se. Santo Deus, que espetáculo! Pensei primeiro, ao ver o seu rosto onde alternavam o amarelo, um roxo quase purpúreo e o negro, que acabava de sair de uma zaragata e que tivera de recorrer aos cuidados de um cirurgião, mas quando, por acaso, ficou sob a luz da candeia apercebi-me do meu erro: o que eu tomara por emplastros e cicatrizes recentes não era mais que um conjunto de tatuagens multicores de efeito deveras impressionante...
Entretanto, o arpoador, ignorando ainda a minha presença, continuava a remexer no seu saco. Retirou de lá um tomahawk — mas seria realmente um tomahawk? — e uma bolsa de pele de foca, ainda cheia de pelo. Depois, enfiou no saco a horrorosa cabeça reduzida. Em seguida tirou o grande chapéu de feltro.
Pouco me faltou para soltar uma exclamação de surpresa. Não tinha um único cabelo — à excepção de uma trança enrolada sobre a testa num minúsculo carrapito. Que fazer? Tinha vontade de fugir, apesar de a cobardia não ser dos meus maiores defeitos. Mas ele estava entre a porta e a cama. Claro, podia ter saltado pela janela...
Enquanto assim pensava e com dificuldade dominava o medo, ele começara a despir-se tranquilamente. Verifiquei que, tal como o rosto, o tronco, o peito, os braços e as coxas desapareciam sob um inextricável entrelaçado de tatuagens. Quanto às pernas, tão decoradas como o resto do corpo, julguei distinguir nelas dezenas de rãs verdes que pareciam trepar por palmeiras de troncos amarelos... Começava a compreender: encontrava-me fechado naquele sinistro quarto com um selvagem, trazido sem dúvida por um baleeiro dos mares do Sul. E, além disso, um amador de cabeças! Se achasse a minha a seu gosto...
Mas as minhas emoções ainda não tinham chegado ao fim. Agora quase nu — com uma tanga estreita à volta dos rins —, tirou de um dos bolsos do blusão pendurado numa cadeira uma estatueta negra com chifres que foi colocar entre os cães da lareira e diante da qual acendeu, com um punhado de cavacos, um pequeno fogo de sacrifício. Depois, prostrado ante a estatueta, entregou-se a intermináveis momices de pagão, que prefiro não descrever. Após o que, tendo sem dúvida acabado de rezar, pegou no tomahawk, colocou o seu ferro em contato com os cavacos que acabavam de arder, meteu na boca a extremidade do cabo e puxou algumas fumaças. Depois, soprou a candeia e, na escuridão completa, de tomahawk nos dentes, saltou para a cama e caiu tão perto de mim que não pude deixar de gritar. O espanto arrancou-lhe um grunhido e, sem mais demora, pôs-se a apalpar-me.
Encostei-me à parede, gemendo.
— Largue-me, suplico-lhe! Deixe-me levantar. Vou acender a candeia!
Porém ele, numa inconcebível algaraviada:
— Quem ser tu? Tu não querer dizer? Então, eu matar tu!
E enquanto falava, sacudia por cima de mim o cachimbo-tomahawk, espalhando a cinza pela cama, de tal modo que pensei:
"Não só vai matar-me, como também pegar fogo à minha camisa!"
Em vista disto, pus-me a berrar:
— Patrão! Senhor Coffin! Socorro! Socorro!
Quanto ao meu selvagem, continuava a repetir:
— Quem ser tu? Tu não querer dizer? Se tu não querer dizer, mim matar tu!
Mas, graças a Deus, neste momento o estalajadeiro entrou no quarto, com uma candeia na mão. De um pulo, saltei da cama e corri a acolher-me sob a sua proteção.
— Não tenha medo — disse-me ele com o tal sorrisinho diabólico. — O Queequeg não tocará num só cabelo da sua cabeça.
— Primeiro deixe-se desse sorriso imbecil! — gritei irritado. — Porque não me disse que este arpoador era na realidade um canibal?
— Julgava que sabia... que tinha compreendido, pois! Eu disse-lhe que ele andava pela cidade a tentar vender a sua última cabeça reduzida... Vamos, deite-se e não falemos mais disso.
E, dirigindo-se a Queequeg — pois era este o nome do meu canibal:
— Ouve, Queequeg. Tu conhecer mim. Mim conhecer tu. Ele dormir com tu. Tu compreender?
— Sim, mim compreender — respondeu Queequeg voltando a fumar o seu tomahawk.
Levantou a manta e voltando-se para mim:
— Tu entrar lá — ajuntou ele com uma expressão quase delicada e um gesto de convite digno de um civilizado.
Examinei-o por instantes. Apesar das tatuagens, estava bastante limpo e até atraente para um selvagem. Afinal — pensei —, é um homem tal como eu. Talvez procedesse mal fazendo este barulho. Não será melhor dormir com um canibal sóbrio do que com um cristão embriagado?
Depois, dirigindo-me ao estalajadeiro:
— Patrão — disse eu —, mande-o tirar daí esse tomahawk... ou esse cachimbo, se prefere. Em todo o caso, diga-lhe que não fume. Não quero dormir com um homem que fuma na cama. É perigoso. E além disso o cheiro incomoda-me.
Logo que o estalajadeiro lhe deu a conhecer o meu desejo, Queequeg obedeceu imediatamente e encolhendo-se o mais possível, como para mostrar que não me tocaria numa unha, convidou-me de novo com uma delicadeza perfeita a deitar-me.
— Boa noite patrão — disse eu. — Agora, pode-se ir embora.
— De modo algum. É apenas um prazer egoísta de um velho. Não é todos os dias que um herdeiro está de volta à casa. E... por exemplo... Não, é melhor que durmamos agora; eu lhe contarei o resto amanhã cedo.