Como um instante em um instante comum, uma freada mais brusca, um instante, até bem pouco tempo atrás estava distante: no futuro, versejando planos: casa nova... volto ao presente puxando a maneta de freio da minha moto a 50 km/h e um carro parado um pouco mais a frente: mas por que ele parou? Dúvida. Questão. A irmã da motorista havia morrido há três dias atrás, estava discutindo com sua mãe dentro do carro que não iria ao túmulo no dia de Finados e esta vida que foi perdida agora põe em risco vidas de outros. Finados será amanhã. Finado seria se eu estivesse sem capacete. A moto louca não parou, ao contrário, deslizou, voou de encontro ao carro que parou sem sinalizar, sem avisar, sem diminuir, sem se importar... meu retrovisor escondeu: Não sei mais, imagino: todos os dias vidas de outras pessoas interferem na minha vida – na sua vida – mas esta interferência maluca nem sempre é miníma. Não conhecia a irmã falecida da motorista, não conhecia a motorista, não conhecia a mãe das duas filhas, mas tudo assim foi me jogado em um instante: um instante comum, uma fenda nos olhos e tudo aconteceu rápido assim... Ah, sim! não me perguntaram se eu gostaria de conhecê-la, mas que ingenuidade ela nunca avisa ou se avisa não marca hora. Não cheguei a ser apresentado, mas fiquei marcado: tudo mudou em meus pensamentos, a casa nova fugiu de meu futuro, há um momento de desalento, tento sair debaixo da moto, minha perna está imprensada contra o asfalto pelo peso da moto, não consigo com uma mão, tento com a outra, está pesado... lembro que minha cabeça ainda bateu na lataria do carro, mas o capacete me protegeu, não era para sermos apresentados ainda, se não o capacete haveria de ter sacado: havia ou haveria... Como um instante em um instante comum minha vida mostrou-se frágil para mim. Tentei apoiar-me no chão para me levantar, não consegui, olhei para mim mesmo e o que vi foi um pulso mastigado, curvado, dedos imóveis e a dor finalmente surgiu num instante, como um instante comum: finalmente meus olhos parou de ver ao redor: quem são essas pessoas ao meu redor? De quem é este carro? De quem são estas vidas que no momento me veem chorando no chão: e ontem e hoje e amanhã, não tenho filho, não tenho casa, não tenho livro, não tenho asa, acabaria assim sem deixar nada, mas que nada, para que acabar? e você olharia para trás e diria foi uma grande Pessoa, ótimo sujeito, gente de bem, filho amado, mas acabado, finado e nada deixado, nem um filho, nem uma casa, nem um livro, nem uma asa, mas talvez se um dia ligar o computador e navegar na rede mundial e encontrar um Poeta chamado Vate apresentado por um certo Carlos Alves, talvez, talvez mesmo sem um filho, ou casa, ou livro, ou asa, haveria de ter valido a pena, pois está ali alguns de seus poemas: em um instante comum como um instante sem fim.